Foi a força da democracia que fez com que as mulheres, a partir de 2007, deixassem de ser levadas a tribunal pelo facto de decidirem abortar. Portugal chegou a partir de então ao seculo XXI, colocando-se em linha com os países em que há décadas esse direito estava consignado.
Foi uma lutadora, que percorreu gerações, enfrentando um regime patriarcal de subjugação das mulheres em que muitas perderam a vida em vãos de escada, no mais profundo desespero. A hipocrisia serviu de chapéu para penalizar em dobro as mulheres mais pobres, uma vez que as mais abastadas sempre tiveram outras hipóteses, nem que fosse irem “comprar caramelos a Badajoz”…
Nos últimos dias fomos confrontados com uma proposta de penalização dos médicos de família em cujas listas de utentes constem mulheres que tenham interrompido voluntariamente a gravidez ou tenham doenças sexualmente transmissíveis.
Curiosamente, dias antes tinha-se conhecimento que nos EUA o Supremo Tribunal quer reverter a lei de despenalização do aborto que existe há 50 anos.
Coincidência? Claro que não! Ajuste de contas com a democracia, regressão e retrocesso civilizacional, é disto que estamos a falar.
Poderia, perante tal proposta, existir alguma dúvida na posição da ministra da saúde? A verdade é que, a pretexto de não interferir nas considerações do grupo de trabalho donde saiu a proposta, a sua posição foi dúbia e vacilante.
Perante tal proposta poderiam os setores progressistas ficar calados? Todos sabemos que a ser implementada esta pressão nos médicos de família seriam sempre as mesmas, as mulheres de mais fracos recursos, a ser prejudicadas.
Foram as contestações imediatas de vários setores da sociedade que contribuíram para o recuo.
Sabemos que a luta pelos direitos das mulheres é constante, sabemos que “os de cima” estarão sempre prontos a ajustes de contas com a democracia, com a liberdade de escolha, com a dignidade.
É nessa luta que me encontro sempre!
Mariana Aiveca
Ex. Deputada do BE