Vítor Silva: Arrumar a casa

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Começo esta crónica com uma declaração de interesses que já aqui expressei noutras ocasiões: não sou católico, nem professo qualquer religião. Produzo esta declaração porque vou falar da Igreja Católica, mais precisamente sobre a Diocese de Beja.
Alguns poderão dizer que se não sou católico devia abster-me de falar sobre a Igreja Católica. Discordo, pois se a Igreja se pronuncia sobre assuntos que a todas as pessoas dizem respeito, sejam elas católicas ou não, como sejam questões que têm a ver com comportamentos e opções individuais, de natureza moral e ética, comportamentos e opções que não interferem com a vida dos outros cidadãos, também todos os cidadãos têm o direito de se pronunciar sobre posições da Igreja Católica que não sejam matéria de fé.
O Cristianismo, tal como o conjunto das religiões, sempre teve um projecto para as sociedades onde está inserido e tempos houve em que esse projecto se consubstanciava numa estreita ligação com o Estado, de tal modo que o Estado tomava como suas as posições defendidas pelo seu parceiro religioso. Em troca a Igreja apoiava o Estado, mesmo que este fosse um Estado opressor para os seus cidadãos. Lembremo-nos do apoio que a Igreja Católica portuguesa, ao nível da sua mais alta hierarquia, mas também da grande maioria do seu clero, sempre deu à ditadura do Estado Novo de Salazar. E que eu me lembre, mesmo depois do advento da democracia, nunca expressou arrependimento por isso.
Vem isto a propósito do facto da Diocese de Beja ter desde há quase um ano e meio um novo bispo, D. João Marcos, mas que só agora se percebe melhor qual a sua missão. Em entrevista ao Diário do Alentejo, entre silêncios, risos e meias frases, o novo bispo lá disse ao que vem: “arrumar a casa” e “evangelizar o território”. Casa essa que o bispo D. Manuel Falcão desarrumou, ao abrir a Igreja bejense à sociedade civil, ao dialogar com todos, independentemente da sua ideologia ou religião, esquecendo-se porventura de evangelizar. Por isso alguns admiradores deste novo bispo alcunhem D. Manuel Falcão de “bispo vermelhusco”, que é o mesmo que dizer comunista. A D. Manuel Falcão seguiu-se D. António Vitalino Dantas, que pelos vistos não conseguiu nem “arrumar a casa” nem converter os pagãos.
Pelo que percebi, “arrumar a casa” para este novo bispo é fechar a Igreja sobre si mesma, torná-la imune aos ares do tempo que vêm duma sociedade em perpétua mudança, ignorar o significado da palavra ecumenismo, fazê-la regressar a uma tradição ultrapassada e a uma pretensa pureza que na realidade nunca teve. E esperar que o Papa Francisco, demasiado salpicado de “vermelho”, dê lugar a um outro Papa, que por sua vez venha “arrumar a casa” no Vaticano.