Peço antecipadamente desculpa aos ouvintes, mas esta vai ser uma crónica exclusivamente pessoal, ou melhor dizendo, familiar.
É que esta semana, mais precisamente no dia 23, sexta-feira, o meu pai faz cem anos de vida. Quando olhamos para trás, para a data em que alguém de proveta idade nasceu, parece-nos ela longínqua. E longínquo é de facto esse dia 23 de Março de 1918 em que o meu pai veio ao mundo.Estava-se no último ano da Primeira Guerra Mundial, em que Portugal entrou tardiamente para garantir o direito às suas colónias africanas, numa altura em que a I República, embrulhada nas suas próprias trapalhadas já respirava com dificuldade.
Era o meu pai um garoto de oito anos quando, em 1926, um golpe militar veio implantar a ditadura do Estado Novo. Assistiu como jovem adulto à Guerra Civil de Espanha e à Segunda Guerra Mundial, anos muito difíceis de passar. A seguir casou-se e nasci eu e logo depois o meu irmão.
Exceptuando alguns curtos empregos no começo da sua vida activa, foi na Caixa Geral de Depósitos que o meu pai fez a sua carreira profissional. Começou por baixo e foi subindo, sempre por mérito próprio, até ao topo que ambicionava: ser gerente duma delegação distrital. E foi-o, primeiro em Évora e depois em Beja, que era a nossa terra.
Foi em Beja que o 25 de Abril o apanhou, então com 56 anos, tendo visto antes com apreensão um dos seus filhos, o meu irmão, ter partido e ter voltado da Guerra Colonial. Manteve-se no activo, como gerente da filial de Beja da Caixa Geral de Depósitos, até aos sessenta e poucos anos e depois aposentou-se.
Tem gozado a sua merecida reforma com invejável saúde e certamente com pena que a minha mãe já não o tenha podido acompanhar desde há duas décadas e meia.
A imagem mais forte que tenho dele é a de alguém que trabalhou incansavelmente para que em casa tivéssemos o suficiente para levarmos uma vida digna e que os filhos pudessem ir nos estudos tão longe como fossem capazes. E tudo só com o seu salário, pois que a minha mãe, tal como quase todas, tinha o emprego não remunerado de dona de casa.
Vai neste dia 23 comemorar um século de vida. Lá estarão a acompanhá-lo os seus dois filhos e respectivas mulheres, os seus três netos e os seus três bisnetos. Fisicamente está bastante bem, atendendo à idade,mas o mais espantoso é que está na plena posse das suas faculdades mentais.Aqui para nós que ninguém nos ouve, de cabeça o meu pai está melhor que eu, o que tenho de confessar também não é difícil.