Na sequência do direito de resposta apresentado pelo Presidente da Câmara Municipal de Cuba, João Português, à notícia intitulada “Conflito na Herdade do Gizo: Proprietários denunciam Câmara de Cuba por obstrução e falta de transparência”, a Comissão de Acompanhamento do caso decidiu pronunciar-se publicamente.
A resposta surge sob a forma de uma declaração assinada, em nome próprio, por Jorge Lacão — também subscrita, em partes essenciais, pelos restantes membros da Comissão — e visa esclarecer, ponto por ponto, o conteúdo das declarações do autarca, contestando o que considera ser uma tentativa de descredibilização pessoal, bem como a manutenção de uma postura institucional de obstrução, falta de diálogo e intimidação para com os proprietários da Herdade do Gizo.
A Comissão entende que o direito de resposta do presidente ultrapassou o plano factual e recorreu a ataques pessoais, desviando a atenção dos problemas substanciais que afetam o empreendimento. A resposta agora divulgada pretende, segundo os signatários, “restabelecer a verdade dos factos” e reforçar o apelo a uma solução construtiva para uma situação que se arrasta há mais de uma década:
OBSTRUÇÃO E FALTA DE TRANSPARÊNCIA DA CÂMARA DE CUBA
– Uma justificação necessária da Comissão de Acompanhamento-
Invocando direito de resposta a notícia intitulada “Conflito na Herdade do Gizo: Proprietários denunciam Câmara de Cuba por obstrução e falta de transparência”, o Presidente da Câmara Municipal, João Casaca Português, veio contestar o conteúdo da notícia, refutando as acusações de obstrução e falta de transparência no processo relacionado com a Herdade do Gizo.
1 – Pretendendo o autarca justificar as razões da sua oposição à matéria constante da peça jornalística, principia por dirigir um ataque fulanizado e viperino a membro da Comissão de Acompanhamento da situação do empreendimento em causa.
Dado que a matéria sobre a qual se pronuncia o autarca carece de uma resposta completa, em nome da verdade e da decência ela aqui está para que conste. Com uma advertência inicial. Tendo-se o autarca permitido recorrer à insídia para assim denegrir a figura de alguém cujo perfil pretende comprometer, mas cujo nome não teve a hombridade de identificar, esse alguém – de seu nome Jorge lacão – subscreve em nome próprio, e sob sua integral responsabilidade, a declaração que se segue:
Sendo notória a minha identificação com o Partido Socialista, não exerço, há vários anos, funções de natureza político-partidária. Todavia – como compete a qualquer pessoa ciosa do seu estatuto de cidadania ativa – não prescindo nem prescindirei de tomar toda e qualquer posição que considere a mais adequada para o bem da comunidade. Apoio, por isso, publicamente, o que só pode ser considerado natural, as candidaturas locais do Partido Socialista.
É, aliás, muito estranho que o atual Presidente da Câmara Municipal de Cuba, ainda em funções oficiais, mas já declarado e assumido candidato em campanha à Câmara Municipal de Ferreira do Alentejo, venha mostrar-se indignado pela ocorrência das minhas tomadas de posição públicas. São efetivamente posições que nada escondem – porque nada têm a esconder – e que nada conflituam – porque nada têm a conflituar – com o exercício de qualquer outro tipo de envolvimento social.
No entanto, o autarca de Cuba acusa-me de “procurar criar factos artificiais que possam influenciar ou perturbar o decurso das campanhas eleitorais em curso”. E mais: de ser um desses sempre discretos “lobistas profissionais”, aleivosia que capciosamente pretende associar aos altos quadros do Partido Socialista (a cujos órgãos há muito não pertenço). Perante a insanidade da ofensa limito-me, como pessoa honrada, a remeter para um currículo público de cerca de 40 anos de vida política e profissional, no exercício dos mais diversos cargos e funções (que não preciso de enumerar, conhecidos e sujeitos que são a divulgação e escrutínio públicos), atividades certamente desenvolvidas com erros e insuficiências, mas, acima de tudo, sempre assumidas com inteira responsabilidade e sem jamais deixar sombra de iniquidade. É um orgulho que assumo sem falsa modéstia.
Acontece, porém, que na tentativa de manchar a figura contra a qual decidiu investir, e à falta de qualquer imputação com fundamento específico, vem o autarca referir que o Governo que integrei “poderá ter promovido a desafetação dos terrenos da Reserva Ecológica Nacional, condição essencial para a concretização do projeto” – o empreendimento da Herdade do Gizo.
Não faço a mínima ideia, nem cuidarei de fazer, quanto aos pressupostos construtivos do empreendimento, quaisquer que tenham sido, certamente todos legais, pois tal assunto nada conta para as decisões que se impõem tomar no caso controvertido. Só não devo deixar passar em claro dois aspetos: ao referir-se de forma totalmente descontextualizada a uma matéria fora da agenda, o autarca só demonstra que sobre os problemas realmente existentes tem muito pouco ou nada para dizer. E mais demonstra: que em contradição com o discurso dominante no município, ao menos nisso acertado – de reconhecimento da importância do empreendimento da Herdade do Gizo, mau grado as vicissitudes que o afetam – afinal, na sua ótica, a construção poderia ter sido um erro. Para quem optou por viver de modo permanente na Herdade do Gizo, tal alusão, como se torna evidente, além de ser descabida, só pode ter repercussão negativa sobre o próprio que a invoca sem qualquer sentido.
Observação final, quanto a este ponto: a declaração supramencionada, sendo da minha inteira responsabilidade é por mim, Jorge Lacão, subscrita a título inteiramente pessoal, nela não se envolvendo os restantes membros da Comissão de Acompanhamento do assunto da Herdada do Gizo.
2 – Cumpre, no entanto, passar a referir a restante dimensão do caso, a que o Presidente da Câmara chama a matéria de facto. Neste ponto, a clarificação do que está em causa é assumida e subscrita conjuntamente pelos três membros da Comissão de Acompanhamento: Teresa Santos, coordenadora, César Gonçalves e Jorge Lacão.
Assim:
1. Quanto ao tema da casa do senhor Presidente da Câmara.
A informação não contestada pelo próprio é a de que é proprietário de uma casa adquirida para sua “habitação própria permanente”, nos termos inscritos na respetiva escritura, tendo como primeira outorgante a Sociedade Oitante.
Posto em dúvida é saber da conformidade jurídica de um contrato celebrado, nesses termos, no âmbito de um aldeamento turístico. A Sociedade Oitante entende que sim. Aliás foi deste modo, ou equivalente, que terá alienado a maioria das frações da Herdade do Gizo. Daí que também um número muito significativo dos proprietários adquirentes nestas condições considere ter agido em total boa-fé no seu processo aquisitivo, pois outra coisa não seria de esperar de uma empresa de natureza pública – a referida OITANTE – senão lisura na sua atuação.
Porém, outro tem sido o entendimento do Instituto do Turismo de Portugal, o qual considera que os títulos de qualquer fração compreendida no âmbito de um aldeamento turístico não podem mencionar uso distinto do uso turístico e que qualquer desafetação para fim habitacional só pode ocorrer por intervenção de Entidade Exploradora do empreendimento. A qual, todavia, não existe, pelo menos desde 2018, data anterior à da aquisição da fração do senhor Presidente da Câmara e de muitas mais.
Como se vê, são dois entendimentos diferentes de um mesmo problema, por isso suficientemente complexo para merecer uma solução das entidades em modo colaborativo e não disfuncional – disfunção que continua a ocorrer por grande responsabilidade da Câmara Municipal de Cuba, cuja atitude tem sido a da constante obstrução a qualquer possibilidade de diálogo construtivo com os interessados para uma definitiva solução do caso. Solução que já está demonstrado ser possível no âmbito do PDM de Cuba, em fase de revisão.
2. Perante a recusa camarária de qualquer plataforma de trabalho construtivo – facilitado, no presente, pelo Instituto de Turismo de Portugal, concedendo prazo para o efeito, e pela CCDRAlentejo, que voluntariamente se disponibilizou para conferir assistência técnica à solução – o que temos é uma Câmara Municipal em que o seu Presidente se considera impedido de agir na busca de uma solução (apesar de considerar que não tem conflito de interesses) e o mais que faz é permitir a intimidação constante aos proprietários que buscam superar de vez uma crise de segurança jurídica demasiado arrastada no tempo, sem vantagens para ninguém, particulares ou instituições.
3. Depois de há cerca de um ano atrás a Câmara Municipal haver informado os proprietários do seu propósito de aprovar o PDM até ao final desse mesmo ano (o que a lei previa), os sucessivos atrasos – tenham a justificação que tiverem – não podem ser pretexto para deixar de enfrentar uma situação que tem 10 anos de carência e que, ao contrário do que é sugerido, nada tem que ver com “impulso político”, “pressão mediática” ou “clima pré-eleitoral”. Além do mais, o caso da Herdade do Gizo tem uma natureza específica cuja abordagem não tem qualquer dependência ou constrangimento derivados de alterações legais mais recentes. Trabalhar em cooperação deveria ser o lema, mas a verdade é que já há meses (desde fevereiro último) a burocracia camarária considerava que com eleições no horizonte não valia a pena. Há quem prefira a inércia, nós preferimos a ação.
4. Quanto a não terem cabimento “as alegações de silenciamento na última reunião da Câmara, por parte da “autodenominada Comissão de Acompanhamento” – na verdade, designada CA por formulação expressa em assembleia geral de proprietários.
Se a condução da sessão obedeceu ao regulamento em vigor não sabemos, pois tal regulamento, como cumpria, deveria ser público, mas pelo menos até ao momento não estava divulgado.
Quanto ao tempo despendido pelo representante da Comissão de Acompanhamento – recorde-se, para abordar um dossier complexo em relação ao qual o executivo camarário tem recusado reunir desde fevereiro, esse tempo, incluindo recorrentes interrupções de admoestação do Presidente bem como as pausas e repetições necessárias para a recolha das declarações em ata, foi inferior a 40 minutos.
Mas, isso sim, o que importa sobremaneira pôr em relevo foi o critério tentativamente imposto pelo Presidente da Câmara ao seu interlocutor, o cidadão Jorge Lacão: este só poderia fazer perguntas e não poderia expor nem fundamentar as questões a apresentar. Sendo assim tratados todos os munícipes de Cuba quando se dirigem à Câmara Municipal. Já se vê, portanto, que o que se passou na sede do município quanto à liberdade de expressão, tolerada, mas não consentida, foi uma exceção à regra, um privilégio concedido a contragosto à representação dos proprietários da Herdade do Gizo.
Ainda assim o Presidente da Câmara achou por bem deixar um aviso ao seu interlocutor: “sabe que eu sei muita coisa, sei como estas coisas se processam”. Como o Presidente garantiu que a tudo responderá por escrito, então certamente se virão a conhecer as coisas que o Presidente sabe. Provavelmente ao nível do teor moral que exibiu na primeira parte do seu direito de resposta.
5. Precisamente, quanto à invocação de comportamentos reiterados de coação e de ameaça, lamentamos ter de declarar estarem os proprietários da Herdade do Gizo – todos quantos não demonstram subordinar-se ao procedimento reiterado de uma administração intimidatória – sujeitos a declarações constantes desse teor. Como mais uma vez se prova pela última deliberação da Câmara: contratar um advogado para passar a pente fino as declarações emitidas sobre a matéria controvertida da Herdade do Gizo visando habilitar a Câmara a poder agir criminalmente contra os seus presumidos detratores. Já se vê que esta mesma declaração também irá ser entregue ao controle do censor a posteriori (pena, talvez, não poder ser controle preventivo!). Pena, isso sim, que os autores queirosianos das “Farpas” já não estejam vivos para poder vir testar, com o seu génio literário, a cultura tão genuinamente democrática do autarca de Cuba.
6. Última observação sobre os pedidos técnicos de parecer. Há um ano que o problema do empreendimento está em cima da mesa. Há um ano que os proprietários reclamam diálogo e disponibilidade de colaboração, tendo já apresentado uma proposta de solução concreta. Mas há um ano que a Câmara só exibe certezas dogmáticas sobre a situação do empreendimento – para nada fazer. Subitamente, sem mais argumentos credíveis que sustentem a obstrução sistemática a que se dedicou, veio-lhe a inspiração de última hora de pedir pareceres que justifiquem uma opção ponderada, pedidos a dirigir até à entidade que há muito manifestou disponibilidade para colaborar e que a Câmara tem desprezado para o efeito, a CCDR Alentejo.
A Comissão de Acompanhamento, dotada das devidas orientações, tem há cinco meses pendente na Câmara Municipal um requerimento que não foi respondido. Invocamos, para que o mesmo seja deferido, nomeadamente o art.º 65.º, n.º 5 da CRP, os art.ºs 5.º, 6.º e 88.º do RJIGT e os princípios pertinentes do Código do Procedimento Administrativo relativos aos deveres de uma administração fundada na boa diligência e na boa-fé procedimental. Continuamos a aguardar. À consideração do senhor Presidente da Câmara Municipal – ou por quem na Câmara decide decidir ou, então, não decidir.
E subscrevemo-nos, “atentos, veneradores e obrigados”. Convém sempre prevenir as pulsões autoritárias, infelizmente tão comuns como a falta de bom senso. Não concorda, senhor Presidente da Câmara?