A nota de imprensa da Santa Casa da Misericórdia de Serpa, divulgada na passada quinta-feira como resposta a uma notícia da Rádio Pax, procurou negar alguns pontos e corrigir aquilo que considera informações incorretas. No entanto, ao analisá-la com atenção, é inevitável constatar que, mais do que esclarecer, o comunicado deixa no ar uma série de dúvidas essenciais para que a comunidade compreenda a real situação da instituição.
O texto começa por afirmar que é falso que o Processo Especial de Revitalização (PER) tenha sido aprovado, esclarecendo que este apenas foi submetido no início de agosto e aguarda homologação judicial. Até aqui, nada de errado. O problema é que a nota não responde à pergunta mais importante: o que levou a Misericórdia de Serpa a entrar num PER? Quais foram as dificuldades concretas – financeiras, de gestão ou estruturais – que tornaram inevitável esta solução? Sem esta informação, é impossível perceber a profundidade do problema.
Outro silêncio significativo diz respeito aos números. Qual é o montante da dívida? Quem são os credores? A instituição não partilha dados que permitam avaliar a dimensão do desafio que enfrenta. É certo que há informação sensível que pode não ser pública, mas é legítimo questionar se a omissão total destes elementos não fragiliza a transparência que a própria nota de imprensa invoca.
O comunicado também não apresenta as medidas concretas do Plano de Revitalização. Que ações estão previstas para recuperar a estabilidade? Haverá cortes, investimentos, alterações na forma de prestar os serviços? E de que forma estas medidas vão impactar o dia-a-dia dos utentes e trabalhadores? Como é que os trabalhadores vão receber os valores em atraso? Vão recebe-los por inteiro ou irão ser pagos em prestações? Esses valores em atraso vão ser pagos em cinco meses, dose meses ou dois anos? Aqui, mais uma vez, a resposta é o silêncio.
No que toca ao impacto nos serviços, a instituição garante que mantém a autonomia e elegibilidade para fundos, mas não esclarece se o PER poderá implicar redução de pessoal, mudanças na qualidade do atendimento ou restrições em determinadas valências. A comunidade, que depende diretamente destes serviços, merece saber o que pode esperar.
Outro ponto pouco detalhado é o calendário para a homologação do PER. A nota fala apenas em “trâmites legais em curso”, sem qualquer referência a prazos previsíveis. Num processo desta natureza, o tempo é um fator determinante e todos – desde os trabalhadores até aos utentes e familiares de utentes – precisam saber se a incerteza se prolongará por semanas ou meses.
Quanto à relação com credores, não se sabe se há negociações em andamento, se todos estão alinhados com o plano ou se existem litígios que possam comprometer a sua aprovação. É um vazio de informação que, inevitavelmente, abre espaço para especulação. Há uma instituição bancária que é a principal credora (em milhões de euros) da Misericórdia. Quais foram as condições propostas por essa entidade para dar resposta positiva para o andamento do PER?
Por fim, embora o comunicado mencione que o Administrador Judicial não retira autonomia à Mesa Administrativa, não explica como se dá, na prática, a fiscalização do seu trabalho. O que significa, no dia-a-dia, ter um Administrador Judicial “a mediar” e “a fiscalizar”? Quais as limitações e responsabilidades reais?
No balanço final, a nota de imprensa procurou transmitir firmeza e corrigir o que considera serem falsidades, mas acabou por acentuar a perceção de falta de transparência. A comunidade não se contenta apenas com declarações de que a Misericórdia “mantém a sua missão com seriedade”, exige factos, números e compromissos claros. Quer saber, por exemplo, como foram utilizados os quase quatro milhões de euros que o Governo do PS injetou na instituição em 2023. E mais: sem essa injeção de fundos, qual seria hoje o valor real da dívida da Santa Casa? Oito milhões? Nove? Dez milhões?
Num momento em que a transparência é não só uma exigência ética mas também uma ferramenta de credibilização, a Santa Casa da Misericórdia de Serpa perde uma oportunidade importante de transformar um momento de crise numa prova de abertura e responsabilidade. Porque, em tempos de incerteza, a confiança constrói-se com respostas, não com silêncio.