A 18 de maio o país mudou. O Chega passou a ser a segunda maior força política, o centrão ficou numa encruzilhada e a esquerda ficou fragilizada. As escolhas do governo de Montenegro desde então revelam a aproximação desenvergonhada da agenda da extrema-direita – perseguição dos imigrantes, ataque aos direitos laborais, agravamento da crise da habitação, e descrédito da ciência, educação e cultura. Ainda no rescaldo desta transformação política, e com a maior parte da população a tentar interpretar a nova realidade, estão marcadas as próximas eleições autárquicas para 12 de outubro. Estas terão uma especial importância – podem servir de resistência local ou de consolidação da viragem política. Beja, concretamente, viu a sua paisagem política mudar drasticamente. Apesar do fenómeno ser nacional, e mesmo internacional, responsabilidades têm de ser imputadas aos executivos no terreno, incapazes de responder às necessidades concretas. O melhor exemplo da inércia política, da qual brota agora a insatisfação mais embrutecida e doente, permeável a discursos simplistas, é a degradação inqualificável do edificado do concelho de Beja. Nas freguesias rurais aumenta a olhos vistos, fruto da desertificação, mas o caso mais grave é mesmo no centro da cidade de Beja – mais de 600 fogos estão devolutos e degradados. Alguns deles afiguram-se como reais perigos à segurança pública, podendo cair sobre os transeuntes. É o símbolo máximo da negligência autárquica, constituindo um autêntico garrote ao desenvolvimento local. Primeiro, os preços do imobiliário estão desadequados ao nível de rendimento e à realidade local. Os últimos dados do INE mostravam que, quando comparada com outras cidades equiparáveis no interior do país, como Guarda, Castelo Branco ou Vila Real, Beja apresenta valores de renda por metro quadrado bastante superiores. Políticas de fixação de jovens, estudantes ou mesmo profissionais de setores específicos (como a saúde), passam por ter oferta habitacional apropriada. Depois, Beja tem um problema severo de pobreza no acesso à habitação. Segundo o Diagnóstico Social, no final de 2023, o concelho de Beja tinha 597 pessoas em situação de sem-abrigo – era o segundo pior caso no país, a par com o Porto e apenas ultrapassado por Lisboa. A falta de respostas adequadas a este problema, seja por rendas a preços acessíveis ou mesmo alojamento social, leva a um aumento de sentimentos de insegurança numa cidade-fantasma. Por último, decorrente deste abandono, o comércio local está praticamente morto. Não existem respostas imediatas para ultrapassar a estagnação económica, especialmente num concelho excessivamente dependente do mega agronegócio. No entanto, a recuperação do centro, ocupando-o com pessoas, seria a única solução a médio-prazo para florescer a pequena economia de forma sustentada. Por tudo isto, a candidatura do Bloco de Esquerda a esta eleições elege a revitalização do edificado como uma das suas prioridades políticas. Propomos a criação de um Gabinete de Revitalização do Edificado cuja primeira tarefa deverá ser o levantamento efetivo de todos os fogos devolutos e a situação de propriedade de cada um. Para além do agravamento do IMI, muitas vezes insuficiente para reverter o abandono, são necessárias medidas de maior folgo político. A Câmara Municipal deve adquirir os imóveis e realizar obras e, quando adequado, criar uma linha de crédito a juro bonificado para recuperação pelos proprietários, com a obrigatoriedade de constituir arrendamento a preços controlados. Num momento de muito ruído político e poucas ideias substanciais, é preciso discutir o que realmente importa – a dignidade de quem vive no concelho.