A polémica está instalada no concelho de Cuba. A Comissão de Acompanhamento da Herdade do Gizo acusa a Câmara Municipal de impedir a regularização de um empreendimento turístico-habitacional que envolve dezenas de proprietários, apontando o dedo à “acumulação histórica de irregularidades graves”, “desprezo pela legalidade” e um alegado “silenciamento administrativo”.
Em causa está, sobretudo, a falta de vontade política da autarquia em colaborar para resolver um impasse legal que se arrasta há mais de uma década.
O empreendimento foi inicialmente licenciado em 2006, com um alvará camarário que previa a divisão equilibrada das frações: 50% destinadas a habitação e 50% a exploração turística. Contudo, as certidões prediais emitidas nessa primeira fase identificam as frações apenas para habitação.
Mais tarde, em 2009, uma segunda fase foi construída e integrada no projeto, com uma nova certidão da Câmara a classificar as 25 novas frações exclusivamente como unidades de alojamento turístico. Também o registo predial qualifica essas frações como unidades de alojamento. Entre os compradores desta fase está o atual presidente da Câmara de Cuba, João Português, que adquiriu a sua fração, para habitação principal, numa altura em que todos os documentos apontavam inequivocamente para um uso turístico, sem margem para habitação.
Segundo a Comissão, a venda destas frações pela sociedade Oitante foi feita, em muitos casos, com a premissa de uso habitacional, o que contraria o título constitutivo do empreendimento, o alvará camarário e o registo predial. O Turismo de Portugal reforça esta interpretação, ao considerar que o empreendimento deve ser explorado por uma entidade gestora turística, entidade essa que nunca chegou a ser criada pela Oitante. Com base nessa leitura, a desafetação de parte das frações para habitação só seria possível através de uma operação coordenada por uma entidade exploradora, e não por simples alteração contratual ou escritura individual.
Segundo a Comissão de Acompanhamento da Herdade do Gizo, “é legítimo presumir que o presidente da Câmara de Cuba tivesse pleno conhecimento do enquadramento legal e regulamentar aplicável ao empreendimento”. A mesma fonte sublinha que “o entendimento do Turismo de Portugal é claro: a desafetação da atividade turística só poderia ser realizada através de uma entidade exploradora formalmente constituída e em funcionamento”, entidade essa que, nunca chegou a ser criada.
“Não é admissível que se considere válida uma simples menção em escritura individual para alterar a finalidade turística das frações”, insiste a Comissão, que distingue claramente o caso do autarca dos restantes proprietários. “A maioria das pessoas comprou as casas em boa-fé, induzidas pelos procedimentos de venda da sociedade Oitante, criada pelo Fundo de Resolução sob a tutela do Banco de Portugal, e convencidas de que adquiriam imóveis para habitação. Já o presidente da Câmara tinha o dever acrescido de conhecer todos os documentos e exigências legais, pelo que não pode alegar desconhecimento.”
Soluções rejeitadas pela Câmara
Atualmente, a maioria dos proprietários pretende regularizar a situação, assumindo que adquiriram as frações para fins habitacionais. Com base no Plano Diretor Municipal (PDM) e com opinião positiva da CCDR Alentejo, foi apresentada uma proposta para compatibilizar os diferentes usos — habitação, alojamento turístico e atividade agro-pastoril — sem necessidade de novos projetos urbanísticos e com salvaguarda ambiental.
O Turismo de Portugal demonstrou abertura para colaborar, tendo mesmo prorrogado os prazos da consulta prévia para permitir um entendimento com a autarquia. Contudo, a Câmara Municipal de Cuba é acusada de bloquear o processo, recusar reuniões e informações, e até intimidar representantes da Comissão de Acompanhamento.
“A atitude da Câmara é de total fechamento e desrespeito pelas tentativas de diálogo”, denuncia a Comissão, que considera estar em causa uma “flagrante violação dos deveres públicos” e uma tentativa de “manter a situação num impasse para evitar assumir responsabilidades”.
Presidente declarou impedimento
A situação ganha contornos ainda mais nebulosos com a revelação de que o presidente João Português se declarou impedido de votar sobre o tema numa reunião camarária realizada a 19 de fevereiro deste ano.
Além disso, os proprietários denunciam que a Câmara de Cuba está a agir em contradição com decisões judiciais que favorecem a legalização habitacional das frações e contrariam a invocação de direitos adquiridos para impedir o processo de mudança do regime de regularização do empreendimento. “Ao ter dado cobertura à parte vencida no pleito judicial, a Câmara de Cuba está a ser intensamente questionada sobre os seus deveres de neutralidade na condução do processo, por falta de consideração pelas deliberações tomadas nas assembleias gerais de proprietários – as únicas que representam legitimamente o empreendimento”.
Apelo à resolução apesar de ameaças da câmara em agir contra moradores que procuram solucionar problemas
A proposta dos proprietários, que visa uma solução definitiva, continua sem acolhimento por parte do município. “Esta é uma solução equilibrada, legal e tecnicamente viável, tal como admitido pela CCDR. O que falta é vontade política da Câmara de Cuba”, sublinha a Comissão.
Perante o impasse, os representantes dos moradores garantem que vão continuar a lutar pela legalização plena do empreendimento, exigindo respostas claras e a assunção das responsabilidades próprias por parte de cada organismo que por ação ou omissão contribuíram para as irregularidades verificadas no empreendimento.
“Estamos perante uma situação grave que afeta tanto os interessados como a imagem do município. Sendo que já está demonstrada a possibilidade de conciliar o uso habitacional com a atividade turística, igualmente relevante, na modalidade do alojamento local, com vantagem para todos. A solução só não avança porque a incompreensível obstinação da Câmara Municipal de Cuba o tem impedido”, conclui a Comissão de Acompanhamento da Herdade do Gizo.
Comissão de Moradores denuncia tentativa de silenciamento em reunião de Câmara
A tensão entre a Comissão de Acompanhamento dos Moradores da Herdade do Gizo e a Câmara Municipal de Cuba voltou a subir de tom. Na reunião camarária de ontem, quarta-feira, a Comissão marcou presença para intervir no habitual espaço reservado ao público, mas acusa o presidente da autarquia, João Português, de tentar limitar e silenciar a sua participação.
Segundo os representantes da Comissão, o presidente quis restringir a intervenção apenas a perguntas diretas, recusando a possibilidade de exposição mais ampla do ponto de vista dos moradores. A Comissão considera que esta postura não só compromete o diálogo democrático, como revela um profundo desrespeito pelos direitos de participação cívica. “Perguntámos se existe alguma disposição no regime jurídico das autarquias locais que limite a liberdade intelectual de um cidadão se dirigir à Câmara Municipal. Não obtivemos resposta”, relatam os moradores, acrescentando que “houve uma tentativa sistemática do presidente da Câmara nos tentar calar”, denuncia a Comissão, que rejeitou o condicionamento e exigiu que toda a sua intervenção constasse na ata oficial da reunião.
Entretanto, o executivo camarário revelou que vai solicitar novos pareceres a várias entidades, entre as quais a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR), o Turismo de Portugal, um jurista especializado em ordenamento do território, e até um advogado, com o objetivo de avaliar se existem fundamentos para eventual procedimento judicial por calúnia ou difamação.
Para os moradores, esta atitude é interpretada como mais uma tentativa para adiar a solução do problema e de intimidação. “É sempre mais uma ameaça”, acusam, sublinhando que a estratégia da Câmara parece ser “inventar novos pretextos para adiar decisões” e evitar assumir responsabilidades antes do final do mandato.
A reunião terminou com a promessa de que o presidente da Câmara responderá às questões da Comissão por escrito, mas os representantes dos proprietários da Herdade do Gizo mantêm-se firmes: exigem transparência, legalidade e soluções concretas para um problema que, segundo afirmam, afeta diretamente dezenas de famílias e a imagem do município.
A Comissão promete continuar a lutar pela legalização plena do empreendimento, contra o que chama de “silenciamento administrativo” e uma política de “fuga à responsabilidade” por parte do executivo camarário.