Milhares de páginas foram escritas, dezenas de comentadores expuseram os seus pontos de vista, politólogos proclamaram as suas teses.
Não me apercebi de que alguém tenha referido algo sobre os ciclos históricos dos regimes políticos.
Mais ano, menos ano, a história repete-se.
Os regimes têm uma vida útil de 50 anos. Duas gerações. A segunda delas já não sabe porque chegou ali. A próxima será diferente e começará tudo do zero, como se tivesse passado uma borracha sobre um passado que lhe é alheio.
De acordo com as vozes mais mediáticas, Portugal terá a geração mais qualificada de sempre (até aos 45 anos). Com a ajuda do Processo de Bolonha, acrescento. Os resultados deste acontecimento de há vinte anos está à vista: uma geração altamente qualificada mas enormemente inculta e mal educada.
Décadas de proliferação do egocentrismo e do consumismo fizeram cavar fossos entre gerações, classes sociais, empregadores e empregados, estilos de vida. Cometidos excessos reivindicativos por corporações sindicais e associativas.
Por todo o mundo acontecem cenários muito idênticos a este. A designada extrema direita – aqueles que tomam assento na ponta direira dos hemiciclos parlamentares – ganha terreno político.
Nicolau Maquiavel – filósofo italiano do século 15, nascido em Florença, conhecido pela sua obra O Principe – afirma que o poder não se conquista; o poder perde-se. Isto é, alguém chega ao poder não por mérito próprio mas por demérito de quem lá esta. É uma visão muito pragmática da política. Para se manter no poder, os protagonistas têm de ter força e astúcia.
Apesar da sua fragilidade, o poder pode manter-se através de estratégias de adaptação às circunstâncias de cada momento. Uma delas é a manutenção da lealdade e respeito do povo, a manutenção da estabilidade, evitar a corrupção e a decadência. “Há que ser raposa para conhecer as armadilhas e leão para assustar os lobos”.
Nietzsche disse que a tomada do poder significa “o apoderar-se do poder para a sua própria superpotencialização. É um constante devir de novidade, um exercício de força, a própria essência íntima do ser”. Onde há um ser humano há uma vontade intrínseca de poder, de conquista do mesmo, de o aumentar a cada passo.
Michel Foucaoult demonstrou que saber e poder estão intrinsecamente ligados. E que o poder não é apenas repressivo; é também produtivo atuando através de instituições que “domesticam e regulam o comportamento humano”. As escolas, prisões, hospitais exercem um poder disciplinar que molda os indivíduos. Identificou o Biopoder, exercido sobre a vida humana em massa, através de práticas de medicina, higiene e educação, com o objetivo de controlar as populações. Também o Panoptismo, a forma como os presos são constantemente vigiados, como metáfora para a vigilância e o controlo das sociedades.
Finalmente a Genealogia, para a análise da história e das relações de poder.
Para ele as verdades universais não existem e o pensamento está submetido ao seu tempo e espaço. A universalidade do homem é falsa. Uma criação do poder para nos impregnar quotidianamente.
Estas releituras ajudam-nos a entender o que se passou em 18 de maio e o fenómeno Cheguista. Há um eleitorado volátil que se irrita com as tonterias do poder, procura o leão mais esfomeado e atira-o contra os lobos para que os possa comer.
O Partido Socialista cometeu erros infantis que custaram caro aos contribuintes. Teve uma oportunidade de ouro conseguida de forma inteligente contra a opressão austera de Pedro Passos Coelho que, embora tendo
ganho (estranhamente) as eleições, não formou governo, dando origem à Geringonça. António Costa foi bem sucedido (graças a Mário Centeno) e levou-o a uma maioria absoluta. É sabido que, em Portugal, as maiorias absolutas descambam em governações medíocres com tiques de autoritarismo. Costa estava sempre de extintor na mão para apagar incêndios provocados pelos escolhidos. E esses medíocres têm rosto.
O poder é viciante; provoca comportamentos adictos; a dose tem tendência para aumentar quando o efeito se torna rotineiro. Também corrompe; é fácil ao titular do poder deixar-se apanhar pelos tentáculos do polvo corruptor. E cega; o titular do poder tem tendência para capsular e abstrair-se da realidade. Quando sai à rua geralmente ouve dizer “o rei vai nu”.
E há sempre um Cristo que paga as favas todas. Desta vez foi Pedro Nuno Santos.