No coração do Alentejo, em Beja, surge uma pequena revolução que está a transformar um dos maiores problemas ambientais e logísticos do setor olivícola em oportunidade fértil. A Herdade da Figueirinha lançou um projeto pioneiro de compostagem que reutiliza o bagaço da azeitona, um resíduo tradicionalmente difícil de gerir, convertendo-o em composto orgânico de alta qualidade, pronto para devolver vitalidade aos solos.
“Percebemos que o bagaço era muito mais do que um resíduo. Era um recurso valioso que podia regenerar os nossos solos”, explica Filipe Cameirinha, proprietário da Herdade da Figueirinha.
Trata-se de um projeto com um investimento inicial de 1,5 milhões de euros, que já gerou diversos postos de trabalho. É um modelo exemplar de economia circular: a herdade deixou de entregar o bagaço às extratoras e passou a utilizá-lo internamente. Ao processo são adicionados subprodutos agrícolas internos, como folhas de oliveira, massas vínicas, restos de poda e capoto de amêndoa, bem como excedentes agroindustriais de outros produtores, incluindo retraço de tomate, polpa de fruta e cascas de laranja, fornecidos pelos parceiros do Clube de Produtores Continente.
A unidade de compostagem da Figueirinha tem atualmente uma capacidade de produção de 5 mil toneladas por ano, com planos de expansão nos próximos anos, permitindo dar destino e valor a todos os resíduos do ciclo agrícola. As pilhas de compostagem são monitorizadas, regadas com águas provenientes do lagar e revolvidas regularmente para garantir a sua estabilização. O tempo médio de maturação do composto varia entre 8 a 9 meses. Todo o processo é limpo: “Não há cheiros, nem fumo, nem desperdício. Queremos um sistema seguro e ambientalmente responsável”, sublinha Filipe Cameirinha.
O composto resultante, comercializado sob a marca “NORG – o composto que cria raízes, naturalmente”, já está a ser utilizado nos terrenos da herdade. “Os testes que fizemos mostram que as culturas crescem mais vigorosas, com uma cor mais saudável e consistente. É muito gratificante ver o solo a responder desta forma”, acrescenta o proprietário. Este composto é adequado para culturas biológicas, pois é produzido exclusivamente com produtos vegetais livres de desinfestantes, estando atualmente em processo de certificação.
Neste momento, a herdade usa apenas 30% do composto que produz, estando o restante disponível para comercialização. “Conseguimos reduzir em mais de 50% a utilização de fertilizantes minerais, poupando recursos e ajudando a regenerar o solo de forma natural”, explica Filipe Cameirinha.
Mas a inovação vai muito além da compostagem. A herdade funciona como um laboratório vivo de agricultura sustentável: rega gota-a-gota, sondas de humidade, estações meteorológicas e caudalímetros permitem poupanças de 15 a 20% de água. O solo é protegido através de enrelvamento natural e mulching. O caroço da azeitona gera energia térmica para o lagar e as águas residuais são reintegradas no sistema. “Nada se perde, tudo se transforma. É um ciclo completo que beneficia o ambiente e a produtividade”, reforça o proprietário.
Há igualmente impacto económico e social: menos custos com fertilizantes, mais qualificação técnica e a criação de uma viticultura e olivicultura limpa, regenerativa e replicável. O projeto está a ser partilhado em regime de “open share”, permitindo que outros produtores implementem modelos idênticos.
A Figueirinha, certificada pelo Referencial Nacional de Sustentabilidade do Setor Vitivinícola e em processo de adesão ao Programa de Sustentabilidade dos Azeites, acredita que este é o futuro. “Não se trata apenas de produzir azeite ou vinho. Estamos a cuidar do território, da saúde dos solos e da economia local”, conclui Filipe Cameirinha.
Como resume a equipa da Herdade da Figueirinha:
“Mais do que resultados imediatos, interessa-nos o impacto positivo que deixamos. Queremos ser exemplo de viticultura e olivicultura regenerativas no Alentejo.”
Uma revolução silenciosa, com raízes profundas, que transforma o que era desperdício num recurso vital para o futuro da região.