De catita só tem o nome

De catita só tem o nome

Confesso que fiquei pasmado com a escolha do Chega para candidato à presidência da Câmara Municipal de Beja:
David Catita, técnico superior no Departamento de Ambiente e Ordenamento do Território da EDIA.
Há três anos, integrei uma delegação do BE ao Centro Experimental da Herdade da Abóbada, perto da Vila Nova de
São Bento e pertencente à EDIA, em visita guiada pelo engenheiro Catita. Além de nos mostrar ao vivo as vantagens
económicas e ambientais do processo de compostagem, que pode abranger quase todo o tipo de resíduos agrícolas,
Catita insistiu na possibilidade de substituir a prazo a queima de bagaço de azeitona que nos envenena o ar, nas
fábricas de Alvito, Odivelas e Fortes. Mas isso implicaria a construção de vários centros de compostagem, pelo
menos um por concelho, só no perímetro de Alqueva.
O sucesso da compostagem na Herdade da Abóbada fala por si, com um pormenor importante: os agricultores
entregam os resíduos e recebem o pagamento em adubo produzido no centro, sem trocas monetárias, o que não
será muito do agrado do agronegócio, que vê em tudo uma oportunidade de lucro. Talvez por isso e por falta de
vontade política dos governos, a compostagem ainda não passou da fase experimental.


Candidato ambientalista num partido negacionista?


Posto isto, é gritante a contradição entre as preocupações ambientais do candidato Catita e as posições do partido
Chega, que nunca propôs nenhuma iniciativa em defesa do ambiente; pelo contrário, esteve sempre ao lado do
agronegócio, votando contra todas as iniciativas do Bloco em defesa das populações das Fortes e do Alentejo contra
a poluição e para impor limites à expansão do olival e amendoal intensivos e superintensivos, que cercam as nossas
aldeias e invadem os quintais.
Mais: na senda de Trump e dos partidos neofascistas na Europa e no mundo, o Chega é NEGACIONISTA em relação
às alterações climáticas; o seu amigo Bolsonaro, por exemplo, é responsável pela maior destruição da Amazónia e
por campanhas de ódio que vitimaram centenas de índios e ambientalistas.
Então o que faz um candidato dito ambientalista nas listas deste partido? Bem sabemos que a coerência não é o
forte do Chega e de quem aí procura uma hipótese de carreira política, capaz de tudo e do seu contrário para caçar
votos. Mas a falta de vergonha tem limites. Ou talvez não?


Imigração, pedra de toque da democracia e dos direitos humanos


As minhas dúvidas tiveram resposta na crónica de opinião de David Catita na Rádio Pax, de 7 de Julho, sobre o tema
da imigração, na qual reconhece que a baixíssima densidade demográfica “é naturalmente um problema” e que
“para inverter esta depressão populacional é necessária a vinda de pessoas de outros locais do país ou do
estrangeiro, importando diferenciar imigração qualificada da imigração indiferenciada”. E “no contexto da imigração
qualificada, que deveria ser estratégica para Portugal e para o interior do país, uma das medidas de mais rápida
implementação deveria ser o aumento da oferta de ensino superior no interior”.
De acordo. Aliás, se não fossem os estudantes estrangeiros, em particular dos PALOP, há muito que o IP Beja e
várias escolas de ensino profissional do distrito teriam fechado portas. O problema do ensino superior é sobretudo
de falta de ambição estratégica, capaz de ultrapassar as “capelinhas” e de criar uma verdadeira Universidade do
Alentejo que articulasse em rede vários polos de excelência existentes nesta vasta região.
A questão mais séria começa a seguir: para onde vão os estudantes qualificados que por aqui se vão formando? E
por que razão não atraímos outros? A resposta é dada pelo velho slogan:
É a economia, estúpido!

Quando ouço o governo ou o Chega arrogarem-se o direito de escolher “a imigração boa” – em função da língua, da
cultura, da cor da pele ou das qualificações – a resposta é muito simples: como “atrair cérebros” se Portugal não
consegue sequer fixar os jovens qualificados que aqui se formam e continuam a emigrar?
O modelo capitalista real (e não o descrito por académicos neoliberais) é uma economia baseada em baixos salários:
na agricultura, nas pescas, na hotelaria, na construção civil, nos serviços de limpeza e de cuidados, justamente os
setores que ocupam a larga maioria dos trabalhadores imigrantes e sem os quais o país não funciona. Quem tenha
dúvidas deve lembrar-se da pandemia.
No caso do Alentejo, Catita reconhece o óbvio: “existe uma necessidade real, mas sazonal de trabalhadores
agrícolas”. E não apenas sazonal, as campanhas sucedem-se ao longo do ano, por todo o país: da apanha de
azeitona no Outono e Inverno às estufas no litoral e no Algarve, a partir de Março; do melão, da pera e outras
frutas, às vindimas ou à castanha em Trás-os-Montes e nas Beiras.
Qual a solução para estes trabalhadores? Catita invoca “o exemplo de algumas regiões espanholas, onde próximo
de Huelva (Tariquejo), com o apoio do autarquia local, que destinou um terreno fora da das localidades, onde foi
construída uma residência para trabalhadores temporários, gerida atualmente por cerca de 11 empresas agrícolas, e
com a capacidade para mais de 700 pessoas”. E acrescenta: “A instalação de habitação digna, seja construída ou em
contentores temporários, fora das povoações, é também fundamental para garantir os direitos dos residentes”.
Aqui se revela o verdadeiro objetivo do candidato do Chega: a criação de ”guetos” no meio do campo, o isolamento
social dos imigrantes indispensáveis à economia agrária, sem direito ao reagrupamento familiar que, até há pouco,
o próprio governo AD considerava indispensável à boa integração e que o Chega quer suspender por mais dez anos
– na prática já está suspenso há mais de três.


Simplex contentores


A solução dos contentores não é nova: o governo PS incentivou-a em Odemira, através das resoluções do Conselho
de Ministros 179/2019 e 69/2021 – esta já depois de a pandemia ter exposto a crua realidade da situação
habitacional dos imigrantes. Basta dar entrada do projeto de IATA (Instalações de Alojamento Temporário
Amovíveis) na Câmara e os processos serão “decididos no prazo de 15 dias desde a entrada do pedido, sob pena de
deferimento tácito” – um verdadeiro Simplex para contentores.
Nos últimos anos foram instalados ou licenciados em Odemira, pelo menos, três mil contentores. Na altura apostei
que, ou as IATA ficavam vazias, ou passariam a ser controladas pelas máfias que alugam mão-de-obra imigrante e
obtêm em habitações, muitas vezes miseráveis, taxas de lucro de 200% ou 300% – é fazer as contas…
Venceu a segunda hipótese: em grupos de contentores onde se amontoam centenas de imigrantes, estes trabalham
em dezenas de locais diferentes e só aí vão dormir – como ficou claro nas inspeções da ACT e da AIMA, em 2023. É
mentira que as IATA sejam exclusivas para trabalhadores daquela herdade. Esta é uma diferença importante em
relação a Huelva, onde a maioria dos trabalhadores dormem nas próprias “fincas” – conheço alguns alentejanos que
por lá trabalham.
Como Catita bem sabe, a realidade em Alqueva ou nas estufas do litoral é diferente: a esmagadora maioria dos
trabalhos agrícolas são realizados por mão-de-obra alugada a prestadores de serviços, incluindo intermediários sem
escrúpulos que exploram os imigrantes no trabalho, na habitação e nos transportes, até ao limite do que a OIT hoje
define como trabalho forçado. Trabalho escravo, sem meias palavras.


Escravizados e invisíveis


Entretanto os proprietários agrícolas, sobretudo a meia dúzia de Sociedade Anónimas que se tornaram os novos
donos do Alentejo, têm as colheitas asseguradas a um preço fantástico, que não daria sequer para pagar os salários
de milhares de homens e mulheres quase invisíveis que labutam nas suas herdades, sem responsabilidade social,

sem sequer saberem os seus nomes, sem quererem saber se estão em situação legal ou ilegal – isso é problema dos
intermediários, as empresas prestadoras de serviços que se formam “na hora” e podem desaparecer num minuto.
Hoje, com a política de “portas fechadas” à regularização de imigrantes do governo AD, conluiado com o Chega, há
muito mais imigrantes em situação irregular, mais vulneráveis ainda. Sim, os autocarros não param de chegar a São
Teotónio ou a Vila Nova de Milfontes; e, em Outubro, vão continuar a chegar a Beja, a Serpa, a Moura, à Vidigueira,
a Ferreira ou a Aljustrel. É a economia, estúpido!


Selo da vergonha


Para terminar, sugiro que o candidato do Chega recomende aos seus amigos agricultores que cumpram os critérios
do “selo EFI” que, na sua crónica, “significa que os trabalhadores que colhem os seus produtos agrícolas são bem
tratados e remunerados de forma justa, e que a entidade empregadora está empenhada na identificação de
problemas e criação de soluções justas”. E que não seja um mero “incentivo comercial para que os empregadores se
empenhassem em boas soluções de alojamento, que não perturbassem a normal vivência das povoações”.
Pois… Os imigrantes “perturbam a normal vivência das povoações”. Por isso, enquanto fizerem falta, é melhor isolá-
los num descampado qualquer, como num “aldeamento” em África, onde não faltavam as torres e o arame farpado.
O sonho húmido do fascismo acaba sempre num campo de concentração.
Assim se revela a alma do homem que serviu a EDIA gerida pelo “centrão” e agora sai do armário, como candidato
do Chega. Bem pode a extrema-direita apresentar-se com roupagens modernas e até ambientalistas.
De catita só tem o nome.

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Farmácia de serviço hoje na cidade de Beja

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