João Paulo Ramôa presidente da Assembleia-Geral do Observatório do Baixo Alentejo (OBA), e ex-coordenador do grupo de trabalho que em 2012 apresentou um conjunto de propostas para a reabilitação do aeroporto de Beja, defende que a “principal prioridade” desta infraestrutura “tem de ser a atividade industrial”.
O chumbo da Autoridade Nacional da Aviação Civil ao Montijo fez com que Beja voltasse a ser relembrado de que existe e que tem valências capazes de servir a nível industrial e civil. Isto é, de facto, uma realidade?
É uma questão que é preciso desmistificar. No seu desenvolvimento, a estrutura aeroportuária de Beja, pouco está relacionada com o que se passa, ou passará em relação a Lisboa, Montijo ou Alcochete.
Poderá ter alguma compatibilidade, mas, na sua essência, o aeroporto de Beja nunca será uma alternativa ao aeroporto de Lisboa, ou qualquer outro na margem sul. Eventualmente, poderá existir algum voo de passageiros, quando Lisboa tiver algum momento de rutura.
A infraestrutura pode ser uma hipótese, na área dos passageiros, como apoio complementar ao Algarve, uma vez que, no Verão Faro está superlotado. Quando isso acontece, os passageiros procuram o aeroporto de Sevilha. Em Beja podemos dar esse apoio a Faro, e só pontualmente a Lisboa.
Como explica que, dez anos após inaugurado o aeroporto, ainda se discuta qual a sua vocação?
O aeroporto tem como principal prioridade a atividade industrial que precise de importar-exportar matéria-prima ou produto acabado. É o único espaço aeroportuária no país que tem uma zona industrial anexa. A exclusividade é importante.
O facto de se ter demorado muito tempo está relacionado com a demora habitual que existe no País, em consensualizar as infraestruturas de que precisamos. Basta pensar, por exemplo, que a primeira ideia que surgiu para a criação de Alqueva foi no tempo de Salazar, ou que, ainda não foi encontrada uma solução para Lisboa. Por estes timings, podemos perceber a demora que existe no aeroporto de Beja em definir a sua vocação.
Mas, ao fim destes dez anos, continua sem existir, na opinião do OBA, uma convergência sobre as prioridades do aeroporto. No entanto, nos últimos meses, temos observado que algumas estruturas sociais e empresariais, e até a própria ANA- Aeroportos de Portugal já olham para o aeroporto de Beja como sendo a indústria a sua primeira prioridade.
Como é que vê a “narrativa” que serviu de base ao discurso de José Sócrates, segundo a qual o aeroporto de Beja teria centenas de milhares de passageiros por ano?
O discurso político muitas vezes é baseado em opiniões superficiais. Julgo que, na altura, José Sócrates estaria convicto daquilo que estava a dizer, mas na minha opinião, não estaria muito bem informado sobre a plena vocação da estrutura aeroportuária.
Tornar o aeroporto de Beja numa vertente industrial vai também criar bastantes postos de trabalho. É uma mais valia para a região?
A infraestrutura, embora não seja um projeto estruturante, como é o Alqueva, precisa de postos de trabalho mais diferenciados, mais qualificados, melhor remunerados, e com uma fixação de quadros muito superior aos criados por Alqueva.
Existe uma convicção muito forte e de que o principal pilar do desenvolvimento está direta ou indiretamente relacionado com Alqueva. O segundo pilar diz respeito à receção e integração da comunidade imigrante. Temos de pensar numa integração capaz para que essas comunidades possam trazer as suas famílias, ter cá os seus filhos, e serem habitantes desta comunidade, como nós somos. O passo fundamental que deve ser dado prende-se com a criação de uma estratégia local de habitação para estas pessoas ao longo do Distrito, e que inverterá a preocupante diminuição demográfica. O aeroporto surge depois.
Recentemente o Observatório do Baixo Alentejo reuniu com o diretor do Aeroporto de Beja. Uma das conclusões saídas foi que o aeroporto de Beja deve ser colocado como o epicentro do desenvolvimento regional a par com os investimentos e com a dinâmica global do Porto de Sines. Deve haver uma ligação estratégica a Sines?
Já em 2012, quando coordenei o grupo de trabalho, apresentámos um conjunto de propostas para a reabilitação do aeroporto de Beja, e defendemos que deveria ser atribuída à zona industrial aeroportuária, as características de zona franca. Nessa altura, foi dada pouca importância a esse assunto, mas hoje em dia, já se vai falando mais.
Seria importante, que a zona industrial do aeroporto de Beja tivesse características de zona franca em compatibilização com o porto de Sines. É preciso perceber que são raros os tipos de mercadoria ou produto que é exportado ou importado de barco, e que depois é transportado em contentores num avião, a partir de Beja.
Nem o Porto de Sines vai resolver o problema do aeroporto de Beja, nem vice-versa. Mas podemos “vender” a região internacionalmente, de modo a que as empresas que aqui se instalarem, saibam que têm duas infraestruturas extraordinárias e com zonas francas, que podem utilizar.
Deve ser o seu principal trunfo?
Deve ser um trunfo. O importante é que a região saiba “vender” lá fora, que dispõe- num espaço de 70 km- de duas infraestruturas diferentes com zonas industriais e zonas francas.
Um movimento algarvio veio recentemente defender a construção de uma estratégia para e ferrovia que incluía uma ligação ao aeroporto de Beja. O Algarve e o Alentejo poderão estabelecer essa ligação?
Quando o aeroporto de Faro está saturado, os turistas recorrem a Sevilha, portanto, para que isso não aconteça- e uma vez que as distâncias entre o Algarve e Sevilha, e o Algarve e Beja, são praticamente as mesmas- é claro que se tivermos um comboio seria uma mais-valia. É uma vantagem ambiental adicional.
A criação do OBA é recente. Quais os objetivos?
Como diz o slogan “Erguemos bandeiras”. Não somos executantes, nem somos puramente observadores dos factos. Não queremos substituir ninguém, mas sim convergir pensamentos e independente das ideologias e ciclos políticos. Não queremos atropelar ninguém.
Como cidadãos, vemos como fundamental- a par do aeroporto- a estrada e o comboio. Mas, não é de todo necessário para o desenvolvimento dessa mesma infraestrutura. É importante desligar a necessidade desse investimento, da maneira como o aeroporto se vai desenvolver, para diminuir o pacote financeiro indireto e facilitar a decisão. Devemos continuar a reivindicar essas infraestruturas, mas, porém, desligadas do aeroporto.
Provocaria uma grande perplexidade positiva na opinião publica nacional, se convergíssemos na necessidade urgente da ampliação para a segunda área concessionado. E fará falta, pois, a atual, muito brevemente estará esgotada. E nessa altura, fazer projetos e executar a obra demorará pelo menos dois anos o que pode desviar potenciais interessados.
Entrevista realizada em parceria com o “Diário do Alentejo”. Oiça na integra esta segunda-feira.