Por isso me têm chocado tanto, nos últimos dias, as boçalidades que leio e oiço, particularmente nas redes sociais, a propósito da morte de Mário Soares, situação que reproduz bem aquilo que Pacheco Pereira recentemente classificou de “ascensão da nova ignorância”.
Segundo Pacheco Pereira, atualmente: “o grande reservatório do populismo político e social nas sociedades ocidentais são as redes sociais, que, não sendo a causa do populismo, são um seu grande factor de crescimento e consolidação. São como as poças de água estagnada para os mosquitos. Funcionam como o lubrificante do populismo em momentos cruciais, dando-lhe uma rapidez de resposta aos eventos e condicionando o mundo exterior”.
A democracia não é nem nunca será o sistema perfeito que os “mosquitos” exigem, mas pouco fazem por alcançar. A própria essência da democracia, que a coloca à mercê das imperfeições do Homem, da sociedade e dos seus equilíbrios precários, assim o determina.
Como afirmou Winston Churchill: “A democracia é o pior dos regimes, excetuando todos os outros”. E poucas pessoas incorporam melhor que Mário Soares este espírito utópico e, inevitavelmente, imperfeito da democracia. Afinal, ele foi apenas um Homem, com virtudes e defeitos, como todos nós. Foi controverso e, às vezes, quase consensual. Falhou e acertou, mas, no final, ninguém pode dizer que não tentou. Nunca foi um “mosquito”, isso com certeza!
Tenhamos, pois, a capacidade de reconhecer e objetivar o legado de Mário Soares, valorizando, sem mitificar, o muito que ele fez de bom, mas também sem branquear o que ele fez de menos positivo.
Mais do que vilões, onde descarregar as nossas frustrações e medos, ou mitos, tipo “pai da democracia”, precisamos (muito) de referências objetivas para o futuro dessa mesma democracia – que nunca foi, nem será, uma construção individual.
Mário Soares, descanse em paz.
Marcos Aguiar