Na gíria, um Bufo é uma pessoa que denuncia outras pessoas, de forma mais ou menos anónima, encobrindo a sua identidade, mas apontando erros, ilegalidades ou desvios de qualquer natureza, políticos, morais ou de personalidade.
Fá-lo, convencido do pleno exercício da sua cidadania, da autoridade moral e do dever cumprido, apontando com o dedo ereto para aquilo que os outros não devem fazer.
O nome “Bufo” surgiu na minha adolescência quando escutava, deliciado pela curiosidade, que durante a ditadura de Salazar eram um braço forte da polícia política denominada PIDE/DGS.
O “Bufo” denunciava, acusava ou informava a autoridade sobre aquilo que ele achava errado, um vizinho que incomodava tinha certamente ligações a partidos proibidos, outro teria falado mal do Governo encorajado pelos copos a mais que tinha bebido na taberna da aldeia, até aqueles três que cochichavam na penumbra da rua, com aspetos assustados e duvidosos, deveriam estar a preparar alguma. Com base na “informação bufada”, a autoridade agia, batia e torturava para verificar ou antecipar eventuais desvios.
Todas as ditaduras, independentemente da origem ideológica, tiveram os seus “Bufos”. Estes sempre encontraram motivação, real, inventada ou até conveniente, para bufar.
Os meios para informar eram os da época, escreviam uma carta, deslocavam-se pessoalmente aos locais de autoridade, quando tal era possível e sempre com enorme discrição, por vezes um simples telefonema resolvia o encaminhamento da denúncia.
Depois? Depois, era esperar civicamente que a mão pesada da autoridade viesse resolver o ignóbil motivo da denúncia. Como? Tal, já não entrava nas preocupações cívicas da suave consciência do “Bufo”.
O amanhecer de Abril relegou os “Bufos” para a escuridão cinzenta de uma sociedade em transformação. Com erros e acertos, Portugal conheceu a Liberdade.
Na minha mente, o nome “Bufo” escondeu-se durante imensos anos, até praticamente desaparecer do meu vocabulário. Mas será que o Homem deixou de sentir a necessidade de denunciar, de mostrar a todos que aquela ação, aquela decisão, tem um responsável e este tem que ser exposto e denunciado para receber a merecida crítica, punição ou desagrado público? NÃO, não deixou!
Apenas se alteraram os meios para formalizar as denúncias. Deixaram de enviar cartas, telefonar ou até irem pessoalmente, agora já não necessitando da escuridão, ao posto da autoridade. Agora, cria-se uma página nas redes sociais, existem várias e até sabemos o género e a faixa etária dos frequentadores, tiramos uma foto ou filmamos, escolhemos os melhores horários quanto à disponibilidade dos nossos seguidores e PUBLICAMOS.
A Publicação transporta o nosso dever, a nossa obrigação de cidadão, transporta a ânsia para indicar o culpado, tem que ser rápida e atingir muitos gostos, ter muitos compartilhamentos, pois só assim o castigo, a culpa ou a eventual vergonha são expostos com toda a eficácia e violência.
Munidos de uma máquina fotográfica ou de um telemóvel os bufos estão atentos a todos os pecados alheios: uma rua suja, uma mera papeleira por vezes também serve, umas ervas que cresceram em demasia, ou um carro mal estacionado, tudo serve para denunciar. Com sorte assistimos a uma desavença, se for violenta melhor ainda, se envolver estrangeiros, somos candidatos ao Óscar dos “Bufos”. Chamamos as autoridades, alguém que possa dar uma resposta eficaz a estas situações? Nem pensar, fazemos um direto, publicamos na rede, e aguardamos serenamente os gostos, as partilhas e os comentários (se fomentarem o ódio melhor ainda).
Desconheço se existia alguma recompensa para quem denunciava por telefone ou carta, mas atualmente o reconhecimento dos seguidores, a sempre elogiada coragem pela denúncia das situações, os comentários, os números de gostos e as partilhas permitem atingir o ambicionado patamar de cidadania, o de “Bufo Influente”.