“A incapacidade de absorção do bagaço produzido pelos lagares, na atual campanha da azeitona, era uma situação previsível”. A afirmação é de Maciel Filipe, proprietário de um lagar localizado em Vale de Vargo, no concelho de Serpa.
Maciel Filipe adianta que há três anos que o sector olivícola alerta para uma situação de “fim de linha”, que não é possível continuar com a receção de bagaço de azeitona.
Aquilo que já se falava “no meio” veio a ser antecipado por aquela que é uma produção record de azeitona, sublinha.
De acordo com Maciel Filipe, o impacto começa no agricultor, que não pode apanhar toda a azeitona, porque os lagares não têm capacidade de transformá-la em azeite, devido ao constrangimento de colocação do bagaço.
Exemplifica o impacto desta situação com o número de dias de trabalho. Neste momento, os lagares que, normalmente, laboram, no mínimo, seis dias por semana, estão a trabalhar, apenas, um dia por semana.
O lagareiro explica que, no início da campanha, produzia dois camiões de bagaço por dia e, neste momento, só consegue um ou dois camiões por semana.
Além de não estar a produzir todo o azeite que poderia estar a produzir, Maciel Filipe aponta outro problema: a qualidade do azeite.
A azeitona fica muito tempo na árvore, a amadurecer – estando até já a cair – o que significa um prejuízo objetivo para o agricultor e, em vez de ser processada, no próprio dia, fica armazenada nos tegões, três ou quatro dias, o que compromete a qualidade do azeite.
A cadeia de valor está comprometida afirma Maciel Filipe sublinhando a ideia de “quem disser que é esta situação é uma surpresa ou é ignorante ou chegou este ano ao setor”.
“Perante uma superprodução, numa oportunidade que aparece uma vez, de dez em dez anos, perdemos a oportunidade porque a cadeia de valor não está equilibrada.”, lamenta.
Maciel Filipe afirma que “o Estado incentivou a modernização dos olivais com subsídios e dos lagares, passámos de um país importador de azeite para exportador, criámos riqueza o que implicou um aumento de postos de trabalhos”.
Contudo, “o mesmo Estado bloqueia a construção de infraestruturas para tratar o bagaço”, diz o lagareiro.
Maciel Filipe aponta duas soluções para ultrapassar os constrangimentos existentes.
O aumento da capacidade de processamento do bagaço, através da construção ou ampliação das unidades transformadoras é a solução mais “clássica” apontada.
A mais ecológica passaria por uma solução de economia circular que assentaria no aproveitamento de compostos orgânicos que regressariam aos solos, uma vez que, o bagaço e as folhas de azeitona não se esgotam na extração do óleo.
“Se isto não for feito é o colapso do setor”, considera Maciel Filipe, recordando que “estamos a enviar a nossa melhor azeitona para Espanha, porque não conseguimos processá-la em Portugal”.
Este é o reflexo do “desajuste de uma política desintegrada para o setor” afirma Maciel Filipe sublinhando a ideia de que “todos os investimentos que foram feitos nos últimos 20 anos estão em causa se nada for feito”.
Contudo, estas soluções não são viáveis, segundo Maciel Filipe, no curto prazo. Nesse sentido, o responsável do lagar indica outra ideia que poderá ser implementada, não ao nível do processamento, mas do armazenamento: fazer buracos impermeabilizados na terra para despejar o bagaço, assegurando todas as medidas ambientais.