Um crime brutal está a abalar a região e a gerar indignação em todo o país. Em Amareleja, no concelho de Moura, um homem de 67 anos, de etnia cigana, terá assassinado o próprio filho com um disparo de arma de fogo.
De acordo com fonte da GNR ouvida pela Rádio Pax, o autor do crime será Sancho Cardas. O homem terá disparado mortalmente sobre o filho, António Cardas, de 40 anos, após uma violenta discussão familiar. Em causa terá estado o casamento da filha mais nova de Sancho, uma rapariga de apenas 14 anos.
O filho opôs-se à união, alegadamente forçada, no âmbito da tradição cigana. Recorde-se que, desde março, os casamentos em Portugal só são permitidos a partir dos 18 anos. Sancho Cardas, contudo, à margem da lei, faria questão de manter o compromisso com a família do noivo e não terá aceitado a oposição do filho.
Este homicídio relança o debate sobre os limites entre tradição e legalidade, num momento em que as autoridades sublinham a importância de proteger os direitos fundamentais das crianças e jovens, independentemente do contexto cultural.
A comunidade local está em estado de choque e teme que tragédias como esta se repitam se não houver maior vigilância e sensibilização para estas práticas ilegais.
Laura Rodrigues, Assistente Social com larga experiência na área da proteção de crianças e jovens, não tem dúvidas: situações como a que ocorreu em Amareleja colocam os menores em risco grave e atentam contra os seus direitos fundamentais.
Em declarações à Rádio Pax, Laura Rodrigues sublinha que Portugal tem uma única Lei de Promoção e Proteção de Crianças e Jovens, e essa lei é clara: os direitos das crianças são para ser cumpridos e respeitados, independentemente de tradições culturais ou familiares.
A especialista é categórica: “É uma agressividade impor o início de relações sexuais e uma possível gravidez a uma menina de 14 anos. Mesmo que a menor diga que quer, além de não ser permitido por lei, é inadmissível colocá-la numa posição onde, de um momento para o outro, deixa de ser criança e assume responsabilidades de adulto”
Laura Rodrigues lembra que estamos a falar de crianças que ainda precisam de cuidados, supervisão e proteção, e que não têm, na maioria dos casos, o desenvolvimento físico, emocional e intelectual necessário para tomar decisões com este nível de impacto. “Desde quando uma menina de 14 anos, sem maturidade ou discernimento, pode ser empurrada para uma vida adulta que não escolheu e para a qual não está preparada?”, questiona com firmeza.
A Assistente Social alerta ainda para a importância do cumprimento da Convenção sobre os Direitos da Criança, ratificada por Portugal, que define, entre outros pontos, o direito das crianças serem protegidas de práticas culturais prejudiciais.
Segundo apurou a Rádio Pax, junto de fonte da Segurança Social, a família envolvida no trágico homicídio ocorrido na localidade de Amareleja, encontrava-se a receber o Rendimento Social de Inserção (RSI).
Este apoio social implica, obrigatoriamente, o acompanhamento direto por técnicos especializados, que têm como missão monitorizar de perto as condições de vida e o cumprimento de um plano de inserção social por parte dos beneficiários.
Face ao tipo de acompanhamento exigido, os técnicos responsáveis deveriam ter tido conhecimento da intenção dos pais de casar a filha menor, de apenas 14 anos, sublinhe-se, uma prática ilegal à luz da legislação portuguesa. A concretização ou planeamento de um casamento forçado com uma menor de idade, como parece ter estado em causa neste caso, deveria ter sido um sinal de alarme e acionado de imediato os mecanismos de proteção.
Este caso, à semelhança de outros, levantam questões sobre o grau de eficácia do acompanhamento social e os mecanismos de proteção aplicados a famílias sinalizadas com menores em risco.
A razão que terá levado ao homicídio em Amareleja, vem reforçar os apelos de vários setores da sociedade para que se intensifique a vigilância sobre práticas ilegais como os casamentos forçados de menores e se invista em campanhas de sensibilização, junto de todas as comunidades, sobre os direitos das crianças e jovens.