João Português: A grande falácia da descentralização!

No último Congresso da ANMP ficou espelhada a preocupação dos autarcas presentes sobre a operacionalização da transferência de novas competências para as autarquias locais que deverá ficar concluída no final de Março de 2022.

Foi evidente o sentimento de rejeição, frustração e de insatisfação de uma larga maioria, que em virtude do caminho percorrido até aqui verificou que o argumento da proximidade, que tantas vezes foi usado, tornou-se uma falácia.

O princípio da subsidiaridade aponta de facto que as competências devem ser exercidas por quem tiver as melhores condições para desenvolver adequadamente as políticas que carecem de proximidade. Mas em circunstância alguma este princípio se sobrepõe ao valor fundamental da universalidade, isto é, a igualdade de oportunidades de acesso e da qualidade dos serviços prestados aos cidadãos.

A atribuição de novas competências só se justifica se for para melhorar a prestação dos serviços públicos e das funções sociais do Estado.

Não é aceitável que transferir competências seja apenas o despejar nas autarquias a responsabilidade de serviços públicos degradados por anos de opções políticas contrárias às suas necessidades, com gravíssimos problemas de falta de pessoal e de meios.

Muitos são os constrangimentos identificados, transversais a todas as áreas, desde logo pelos poderes e resistências instalados, que têm realçado em todo o processo a ausência de informações, a falta de acesso a dados e a não disponibilização de plataformas informáticas que propiciem a operacionalização apesar das solicitações dos Municípios.

Transferir para as autarquias responsabilidades nestas matérias, mantendo o financiamento paupérrimo que hoje lhes é atribuído, como o Governo pretende, não será mais que um ardil para atirar para as autarquias as incapacidades, o subfinanciamento e a justa insatisfação crescente das populações.

Esta pretensa descentralização representa um agravamento substancial das condições e da capacidade de atuação das autarquias, forçadas a retirar recursos das suas atuais atribuições sob pena de se manterem ou agravarem as condições precárias em que funcionam hoje muitos dos serviços dependentes da Administração Central.

As eleições legislativas antecipadas que se vão realizar no próximo dia 30 de Janeiro são um momento para afirmar que é necessário prosseguir um processo de descentralização sério que cumpra os princípios constitucionais que enquadram o Poder Local Democrático: autonomia, descentralização e subsidiaridade, garantindo a prossecução das funções sociais do Estado e a universalidade do acesso das populações aos serviços públicos, mediante a justa e adequada repartição de competências e dos recursos públicos entre o Estado central e as autarquias.

João Português

Presidente da Câmara Municipal de Cuba